sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Luiz Argenta, Flores da Cunha

A arquitetura da Luiz Argenta lembra a das vinícolas espanholas da região da Rioja

Situada no coração de Flores da Cunha, cidade gaúcha que detém o título de maior produtora de vinhos do Brasil, a vinícola Luiz Argenta impressiona seus visitantes.

Ancorada em um morro típico da região do Alto dos Montes, a vinícola Luiz Argenta foi projetada pela arquiteta Vanja Hertcert, que se preocupou não apenas com a beleza mas também com a funcionalidade técnica do espaço. A rocha moldou a vinícola, espelhada no terreno, aproveitando a natureza irreproduzível em outro lugar. "O que melhor expressa os atributos de um produto do que o ambiente onde ele é elaborado?", pergunta Vanja. "Vinícolas não podem apenas trazer estilo e elegância, precisam também assegurar ao vinho as melhores condições para sua elaboração e guarda e ainda proporcionar-lhe uma morada que o enobreça e diferencie dos demais", diz. Desde o princípio, a ideia do projeto arquitetônico e enológico foi romper paradigmas. A missão dada a ela pelos irmãos e sócios Deunir e Itacir Neco Argenta - que batizaram a vinícola com o nome do pai - foi construir algo original. Houve um tempo em que as vinícolas no Brasil imitavam castelos medievais, velhos châteaux europeus. A Luiz Argenta rompe essa tradição arcaica. Guiada pelos princípios da legítima arquitetura modernista brasileira, racional e funcional, tem formas geométricas definidas, quase sem ornamentos e divisórias. Afora as linhas arrojadas do estilo arquitetônico cujo ícone máximo é a cidade de Brasília, a inspiração também veio das modernas vinícolas espanholas da região de Rioja, em especial as bodegas Baigorri, Juan Alcorta e Ysios. "Os vinhos da Espanha têm mais de 2.000 anos de história e, mesmo assim, as vinícolas não têm receio de se apresentarem como novas e modernas", observa a arquiteta. A beleza estética da Luiz Argenta está diretamente relacionada à modernidade técnica. Apesar de não ser novidade, a cantina foi erguida para funcionar pelo processo da gravidade, sistema muito utilizado no século 19, bem antes da invenção das bombas elétricas. "Exploramos a declividade natural do terreno para evitar o bombeamento dos grãos e assim preservar ao máximo a integridade das moléculas da uva", diz Vanja. Boa parte do charme da Luiz Argenta está na interação entre o processo produtivo e o enoturismo. "Em nenhum momento os turistas e os técnicos se tocam, mas eles sempre se enxergam", explica Vanja. Na chegada, os visitantes geralmente são recebidos na varanda externa, com vista para os vinhedos, dispostos de 750 a 800 metros de altitude. Em seguida, o amplo varejo panorâmico, com visão para a área industrial e para o setor de recebimento de uvas, prepara o espectador para o ponto alto da visita a Luiz Argenta: a cave cênica.
Beleza cênica
Cravada a 12 metros de profundidade na rocha basáltica, a cave tem acesso por escada ou elevador. O ambiente de degustação impressiona. A temperatura no local é constante e natural - 16ºC - assim como o sistema de refrigeração, graças às rochas que circundam a cave. "Por precaução, temos um sistema de controle de umidade, que ainda não precisou ser usado", conta Deunir Argenta. Ele confessa que a arquitetura da cave cênica foi uma escolha estética, especialmente as cúpulas em sequência no teto, como ondas. Mas, além da suntuosidade, o acaso gerou uma acústica única. No centro de cada cúpula, o som é amplificado. A voz sai como se estivesse em um alto-falante, com som grave e soberbo. O efeito no espaço de degustação é inusitado - os comentários feitos em uma extremidade da mesa de vidro podem ser ouvidos até com mais vigor no campo oposto. Vanja admite o acaso da sensação gerada. "As cúpulas foram dispostas para garantir uma boa estrutura de sustentação e pelo cenário acolhedor que proporcionam. Mas ganhamos como prêmio esse efeito amplificador, que se tornou a grande estrela da cave e da vinícola", comenta.



Cravada a 12 metros de profundidade, a cave é um dos pontos altos da visita

Além da beleza, há um projeto de vinhos bem planejado na Luiz Argenta, que, apesar de incipiente, é de relativo sucesso. A filosofia estética materializada pela arquitetura da vinícola suscitou um conceito inovador para os vinhos e espumantes ali elaborados. A modernidade contaminou o ambiente de tal maneira que o caminho enológico trilhado é igualmente insólito. "Desde o começo, construímos esta vinícola pensando nos novos consumidores de vinhos, nos jovens", afirma Deunir Argenta. Por isso a aposta na modernidade, o que se reflete no estilo dos vinhos, nas embalagens e nos rótulos. "Nada é por acaso aqui, com exceção do eco na cave", brinca.
A modernidade da vinícola começa nos vinhedos. Os 142 hectares de área - dos quais 110 foram adquiridos da histórica Vinícola Rio-grandense, dona da marca Granja União, a primeira vinícola a elaborar vinhos finos no Brasil - resultaram em um campo de 60 hectares de cultivo de uvas Vitis vinifera, plantadas todas em sistema de espaldeira. A área foi toda mapeada, o que resultou na divisão de 27 parcelas de solos diferentes.
Atualmente são plantadas 15 variedades de uvas - seis brancas (Chardonnay, Riesling, Moscato Giallo, Trebbiano Remaiolo, Gewustraminer e Sauvignon Blanc) e nove tintas (Cabernet Sauvingnon, Merlot, Cabernet Franc, Shiraz, Ancelotta, Pinot Noir, Marselan, Petit Verdot e Alicante Bouschet). O controle do vinhedo é dividido em quadras, de modo informatizado. O terreno sofreu intervenções topográficas por dois anos antes da reconversão dos vinhedos, buscando maior ventilação e insolação de todas as parcelas. 


O posicionamento de mercado da Luiz Argenta está bem definido. Há uma linha de vinhos ao estilo "Gran Reserva" chamada de Luiz Argenta, com preços que vão de R$ 50 a R$ 140, uma linha de vinhos tradicionais, ao estilo "reserva", denominada LA, com preços na faixa de R$ 35 a R$ 50, e uma linha de vinhos frescos e frutados, denominada LA Jovem, com preços até R$ 40. Esta é a aposta da vinícola nos novos consumidores. "Queremos oferecer produtos fáceis, bem elaborados, com muita fruta, para atrair os novos consumidores de vinhos", explica o enólogo Edegar Scortegagna, doutor em vitivinicultura pela Universidade de Trento e Udinese, na Itália.
Os produtos estão sendo envasados em embalagens inovadoras, com rótulos simples e elegantes que trazem sinais gráficos (! * : "") que permitem diferentes interpretações e são reconhecidos em qualquer cultura. O varietal Shiraz LA, safra 2001, recém-lançado, vem em uma garrafa italiana com dois fundos. Os novos varietais, que serão lançados no ano que vem, um Sauvignon Blanc e um Gewüstraminer, também da linha LA, serão engarrafados em recipientes que se complementam. "As garrafas já chegaram da Itália, mas ainda não podemos mostrar. É segredo", comenta Deunir Argenta.

O cultivo de uvas, plantadas em sistema de espaldeira, ocupa um campo de 60 hectares, dividido em 27 parcelas de solos diferentes

Cerca de 30% das vendas da Luiz Argenta são feitas na própria vinícola, mas, para ampliar o conhecimento da marca, foi aberta neste ano uma loja-conceito em Gramado, na serra gaúcha. "A cidade recebe turistas de todo o Brasil, por isso é estratégico para nós estarmos presentes lá", diz a gerente de marketing Daiane Argenta, filha de Deunir. "Este foi o ano zero da Luiz Argenta. Vamos vender 60 mil garrafas e, a partir desse patamar é que vamos construir nossos resultados", projeta Deunir. Conforme o empresário, a vinícola foi construída para armazenar cinco safras, com 120 mil a 140 mil garrafas de vinho por ano. A adega subterrânea tem capacidade para armazenar 700 mil garrafas. Hoje tem 100 mil. "Esse vai ser o nosso limite. Não vamos crescer além disso, nem cultivar mais do que 60 hectares. Sabemos muito bem aonde queremos chegar".

Deunir Argenta, 55 anos, o cérebro e o coração da Luiz Argenta, sempre teve sua vida ligada ao vinho, de uma maneira ou de outra. De família humilde, Deunir enfrentou dificuldades para estudar. Ao se formar no ensino médio em Flores da Cunha, não tinha dinheiro para seguir os estudos. Foi quando usou a criatividade e, acima de tudo, a persistência. Pela manhã, trabalhava numa sapataria na cidade. Ao meio-dia, era garçom em um restaurante em troca do almoço. Então, voltava para a sapataria. No final do dia, pegava um ônibus até Caxias do Sul. Como cobrador, não pagava passagem. Foi assim que conseguiu estudar à noite, no curso técnico de contabilidade, onde tinha uma bolsa de 40%. Para completar o pagamento do curso, trabalhava no bar da escola no intervalo das aulas e assim recebia os 60% restantes da bolsa. Essa rotina durou três anos, até a conclusão do curso. Formado, conseguiu emprego no único escritório técnico de contabilidade de Flores da Cunha, onde seu futuro começou a ser forjado. Todas as vinícolas da cidade e de boa parte da região eram clientes do escritório - daí o seu contato com o setor vitivinícola desde muito cedo. Quando tinha 30 anos, foi contratado para ser o executivo da Associação Gaúcha de Vinicultores (Agavi). Com o tempo, passou a ter uma participação acionária na empresa Bebidas Versul por conta do seu trabalho como contador e executivo. Então se tornou sócio da Agavi, onde, além de executivo, foi diretor e vice-presidente. Atuou na aprovação da Lei do Vinho e na Lei do Mercosul, dois marcos importantes para o setor.

A vinícola aposta na modernidade, o que se reflete em todas as etapas da produção
 
Em 1985, abriu a Ditrento, uma empresa de representações de produtos ligados ao setor vitivinícola da qual seu irmão se tornou sócio alguns anos depois. A Ditrento iniciou a venda de açúcar, tendo no setor vitivinícola um cliente importante. Para transportar o açúcar, os irmãos compraram caminhões e logo entraram em um novo ramo, o do transporte rodoviário. Na época, como os postos de combustível de Flores da Cunha fechavam aos sábados e abriam só na segunda-feira, para não perder um dia sequer com os caminhões parados, os irmãos Argenta abriram um posto de combustível em 1988. Hoje, a Ditrento é uma rede com 51 postos espalhados por 17 cidades gaúchas. A frota, que chegou a ter 50 caminhões, hoje tem a metade disso. E a venda de açúcar continua, mas perdeu força. Em outubro de 1999, surgiu o que Deunir chama de uma "grande oportunidade de negócio": a possibilidade de adquirir a propriedade da Vinícola Rio-grandense, fundada em 1929 e dona da marca Granja União. Inicialmente, Deunir Argenta comprou a área pensando em transformá-la em um condomínio industrial ou residencial. Porém mudou de ideia ao conhecer a história da Vinícola Rio-Grandense. O local é o berço do vinho fino brasileiro e também funcionava como uma estação de aperfeiçoamento das videiras. A vinícola empregava mais de 300 pessoas e processava 3 milhões de quilos de uva por ano. Diante dessa rica trajetória, Deunir não teve dúvida em implantar um novo projeto vitivinícola no local. A história da vinícola ele pretende disponibilizar a todos em um futuro museu, que será acomodado no Casarão, antigo prédio administrativo da Vinícola Rio-grandense. "Temos livros, fotos, documentos e equipamentos guardados desde 1929", revela.


Fonte: Revista Divino
 

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